O meu silêncio
8 Fevereiro 2014
Se eu tivesse que escolher uma árvore para significar a sublime pureza do silêncio, seria a oliveira que, indiferente ao calor sufocante ou ao frio penetrante, sobrevive na austeridade do seu ser.
Se eu tivesse que escolher uma cor para exprimir a decantação do som feito silêncio, seria esse paradoxo do branco escuro que nos acolhe na suavidade do branco e nos sossega na nostalgia do escuro.
Se eu tivesse que escolher um tempo para pintar a purificação do silêncio, seria o Outono com as suas sombras e a despedida multicolor e compassiva das folhas. (…)
Se eu tivesse que escolher um sentimento para compreender o ágape do silêncio, seria o amor maternal para com a criança que, nascida no ventre, se prepara para a vida. Se eu tivesse que escolher um nome de mulher para significar o silêncio na oração, seria Maria e depois adormeceria envolto na sua tranquilidade. (…)
Se eu tivesse que escolher um som para traduzir o silêncio do mistério da vida, seria o do choro de uma criança indefesa no meio da violência gratuita.
Se eu tivesse que escolher um mineral que me traduzisse o código genético do silêncio, não seria o do silêncio do ouro, mas o silêncio agreste, telúrico e puro do granito. (…)
Se eu tivesse que escolher o silêncio da alegria, seriam tão só as palavras não ditas num olhar de afecto serenamente radioso.
Se eu tivesse que escolher o silêncio da harmonia, seria o da reconciliação do futuro com a purificação da memória do passado, no cruzamento do ruído da rotina. (…) Se eu tivesse que escolher o silêncio da verdade, seria apenas ela, a verdade filtrada pela mudez, a verdade dos inocentes. (…)
Se eu tivesse que escolher o silêncio da saudade purificada pela distância da ausência, seria o da solidão da confissão suprema.
Se eu tivesse que escolher o silêncio de um sonho, seria o da serenidade de ele já não ser.
Se eu tivesse que escolher o silêncio da esperança, seria sempre o da esperança do silêncio. (…)
Se eu tivesse que escolher uma palavra – só uma – para traduzir a plenitude do silêncio, seria adeus que é a forma sincopada de nos dedicarmos a Deus.
Se eu tivesse que escolher o meu silêncio …
António Bagão Félix, em semanário Voz da Verdade, 26-1-2014