Há beleza no entardecer
1 Fevereiro 2014
A alegria do nascimento de Jesus prolonga-se, no evangelho de São Lucas, na festa da sua apresentação no Templo, cumprindo a lei judaica. E a nós (…), passaria despercebida esta festa não fosse calhar a um domingo. Depois dos pastores são dois “velhinhos”, Simeão e Ana, os que vão experimentar a alegria de um encontro esperado e surpreendente. Assim, esta festa reveste-se de várias tonalidades e usos pastorais: bênção das crianças recém-baptizadas ou recém-nascidas, acção de graças pela vida consagrada, celebração pela vida longa dos mais idosos. E entre o início da vida, a vida comprometida em serviço de Deus e dos irmãos e o entardecer da vida (…) escolho o último para estas palavras.
No número do 2.º semestre de 2013 da revista Cidade Solidária, da Misericórdia de Lisboa, são apresentados os resultados de um inquérito sobre os idosos e o isolamento na cidade de Lisboa. Dos 22.679 inquiridos, 60% tinham mais de 75 anos, 80% tinham filhos vivos, 86% viviam em andares, 1/3 vivia só (410 muito isolados e 4.256 isolados), 87% viviam da pensão de reforma, sendo a maioria dos sós, viúvas e pessoas solteiras. Não seriam precisos estes dados para constatarmos uma realidade que nos toca e faz sofrer a todos. Agora e nas perspectivas do futuro! E se a vida longa é considerada uma bênção nos textos da Bíblia, uma riqueza para as sociedades quando se valoriza a sabedoria e o reconhecimento dos mais velhos, o estado social treme quando se fixa nas contabilidades (…). A mentalidade utilitária e descartável, dispersa na procura egoísta do prazer e na exaltação da juventude, recusa enfrentar com lucidez a perspectiva de um envelhecimento que nos atingirá a todos. Que pode ser vivido não como condenação mas como oportunidade, com aceitação e reconciliação, com simplicidade e sabedoria. É aí que podemos deixar entrar o Espírito Santo!
Simeão e Ana experimentaram a alegria do encontro com Jesus porque acolheram o Espírito Santo. Não se fecharam no lamento ou na amargura, mas confiaram na esperança. E essa intimidade com Deus certamente começou muito antes da velhice. Trata-se de viver na fé e olhar com os olhos de Deus o que nos rodeia. Com generosidade e criatividade, em pequenas redes de vizinhança e proximidade, muitos isolamentos acabariam. Quantos “Simeões e Anas” esperam um encontro luminoso que paróquias, movimentos, famílias, amigos, poderíamos desencadear? E com que beleza queremos pintar o nosso entardecer?
Pe Vítor Gonçalves, in Voz da Verdade (2-2-2014)