«Quanto a nós permaneceremos assíduos à oração e ao serviço da Palavra»

«Diácono e diaconia da Igreja»

1. São Vicente é Padroeiro da Igreja de Lisboa e protetor da nossa Cidade. O facto de o nosso padroeiro ser Diácono e Mártir convida-nos a meditar na diaconia da Igreja, isto é, na sua vocação de serviço, e a descobrirmos a relação entre o sofrimento e a consolação, sugerida pela leitura da segunda Carta de Paulo aos Coríntios. O diácono é aquele que serve. O sacramento da Ordem que recebeu predispõe-no e dá-lhe força para servir. Mas o ministério do diácono não se limita à sua vocação pessoal de serviço. Como ministério, ele orienta-se para toda a Igreja, é sua missão específica dinamizar a Igreja como serviço. A diaconia da Igreja decorre da sua íntima união à missão do próprio Cristo, que disse de Si Mesmo: “O Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a Sua vida” (Mc. 10,45). Jesus considera a Sua missão um serviço, a realização da vontade do Pai, do Seu desígnio de salvação. É assim que Se apresenta, é como servo que deseja ser reconhecido. “Estou no meio de vós como Aquele que serve” (Lc. 22,27). A atitude de servo supõe a obediência. Servir é obedecer, isto é, pôr toda a sua vida ao serviço de uma vontade e de um projeto que é do Pai que O enviou. “É preciso que o mundo saiba que Eu amo o Pai e que ajo como o Pai me ordenou” (Jo. 14,30). Quem aceita seguir Jesus como discípulo assume a condição de servo, a vocação de servir. “Dei-vos o exemplo para que vós possais agir como Eu agi em relação a vós” (Jo. 13,15). A Igreja, comunidade dos discípulos, isto é, daqueles que seguiram o Senhor e por isso prolongam a sua própria missão, só pode servir, encontrar na sua vocação de serviço o caminho da sua fidelidade a Cristo Servo. Maria, a serva do Senhor, que obedeceu radicalmente à Palavra que Deus lhe dirigiu, é, também, o modelo da Igreja obediente e por isso serva.

2. A primeira concretização, no Novo Testamento, do serviço da Igreja, é o serviço da Palavra. Também aqui o serviço é uma obediência à Palavra do Senhor: “ide e fazei discípulos em todas as nações” (Mt. 28,19). No início, a opção dos Apóstolos, que os leva a escolher os primeiros diáconos, significa uma prioridade do serviço da Palavra sobre o serviço das mesas, ou seja, a ajuda aos mais pobres, que reservam aos diáconos: “quanto a nós permaneceremos assíduos à oração e ao serviço da Palavra” (Act. 6,4). A Igreja Apostólica está convicta que o primeiro serviço que pode prestar à sociedade é o anúncio do Evangelho. Paulo considera isso a sua graça própria. Ele é Apóstolo “em virtude da graça que Deus me concedeu de ser um ministro de Cristo no meio dos pagãos, sacerdote do Evangelho de Deus, para que os pagãos se tornem uma oferta agradável, santificada no Espírito Santo” (Rom. 6,16). Esta prioridade ao serviço da evangelização supõe que a Igreja acredita na importância do Evangelho para o bem da humanidade. É o maior serviço que podemos prestar aos homens, nossos irmãos, é ajudá-los a descobrir o sentido da vida; o pão do corpo sem o alimento do espírito é insuficiente para ajudar a descobrir o verdadeiro caminho da vida. A escolha dos sete diáconos para o serviço dos pobres, não relativiza esta expressão do serviço da Igreja. Exprime apenas a consciência de que todo o serviço é expressão da caridade, e que só a Palavra do Evangelho abre o coração para essa perfeição do amor. Os pobres, mesmo quando recebem, devem abrir-se pessoalmente a essa realidade superior do amor fraterno. É por isso que a própria partilha deve ser ocasião e instrumento do anúncio do Evangelho. Ser beneficiário da caridade cristã e não se sentir tocado por essa novidade inaudita que é a comunhão de amor, pode ser sinal de que nos contentámos com a partilha e não demos prioridade ao anúncio do Evangelho. É por isso que os diáconos, cujo ministério se concretiza em primeiro lugar, no serviço dos pobres, são também anunciadores da Palavra. Na Igreja, o anúncio do Evangelho deve levar à partilha, e a caridade partilhada leva à descoberta e à escuta da Palavra. O próprio Jesus, já no ambiente denso da Sua paixão, quando Maria Madalena lhe unge os pés com perfume caro e Judas protesta dizendo que aquele perfume era melhor empregue se fosse vendido para dar aos pobres, responde: “Deixai-a. Foi para o dia da minha sepultura que ela tinha guardado este perfume. Pobres tê-los-eis sempre no meio de vós, mas a Mim não me tereis sempre” (Jo. 12,7-8). Descobrir Jesus Cristo tem prioridade sobre a ajuda aos pobres. Mas a estes também deve ser anunciado Jesus Cristo, “o Evangelho anunciado aos pobres”, e estes revelam mesmo uma capacidade particular para acolher o anúncio de Jesus.

3. Esta consciência de que a Igreja, antes de partilhar os seus bens, partilha a sua fé e o seu testemunho de fidelidade a Cristo, é uma exigência que não podemos esquecer, porque em qualquer forma organizativa da sociedade os pobres estarão sempre no meio de nós, hoje na complexidade de novas formas de pobreza, e a partilha de bens a que somos chamados nunca pode esquecer a partilha do bem mais precioso para nós, a nossa fé em Jesus Cristo. Não devemos ser apenas mais uma forma de solidariedade social. Somos um serviço de Jesus Cristo e é Ele quem nos dá a força para partilharmos com os nossos irmãos. Que no pão repartido vá sempre o testemunho da nossa fidelidade a Cristo, porque só assim esse pão repartido será, para quem o recebe, um pão vivo que comunica a vida. Têm-se anunciado, talvez com demasiado dramatismo, tempos difíceis para muitos portugueses, com pessoas e famílias que inesperadamente vão fazer a experiência da pobreza. A Igreja quer dar o seu contributo na ajuda de que precisam, em colaboração com a restante sociedade civil, com as Autarquias e o Governo da Nação. Também aqui se concretizará o princípio da cooperação entre a Igreja e o Estado, para o bem da comunidade, princípio que enforma o espírito da Concordata. Mas não separaremos essa missão de ajuda fraterna do nosso primeiro serviço, que é o anúncio de Jesus Cristo e do Seu Evangelho. Não teremos respostas e soluções para todas as situações que já nos estão a ser apresentadas, e por isso queremos agir em cooperação e em convergência de soluções. Estaremos, talvez, muitas vezes, na situação do Apóstolo Pedro perante o mendigo que lhe pede dinheiro: “Não tenho, nem prata, nem ouro, mas o que tenho, posso dar-te: em nome de Jesus Cristo de Nazaré, levanta-te e caminha” (Act. 3,6). Talvez não possamos resolver todos as suas necessidades materiais, mas podemos convidar todos a levantar-se e a caminhar connosco nesta descoberta da vida, que pode ser feita em todas as circunstâncias. Como Maria em Caná, perante uma aflição concreta, diz apenas: “Fazei tudo o que Ele vos disser”. Mas não nos esqueçamos que Ele também nos diz para partilhar. Só que para nós partilhar tem de significar o desejo de caminhar com quem partilhamos. Para a Igreja servir é também apontar esse caminho novo.

† JOSÉ, Cardeal-Patriarca

Homilia na Solenidade de São Vicente, Padroeiro do Patriarcado de Lisboa, 2009

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