Onde o amor se deixa ver: a cruz de Jesus
23 Março 2013
«No coração do Evangelho há esta lancinante dor.
Um Deus que morre por amor, algo que não consigo compreender (…).
A cruz não se entende, contempla-se. É uma porta diante da qual nos detemos, esperando que se abra para a fundura do mistério.
Não pergunto porquê, não busco respostas, mas olho com os olhos do coração. E vejo um Deus louco de amor, disposto a tudo por mim, pela pobre criatura que sou.
É algo que me entontece: o Rei do mundo que perde tudo para poder abraçar-me. Um Rei reduzido a escravo, que me lavou os pés, e não lhe bastou; deu o seu corpo a comer, deixou-se cuspir, e não lhe bastou.
“Jesus, do amor não estás defendido, do céu à terra o amor te fez descer. Para abraçar-nos foste crucificado na cruz. A tua sabedoria naquele momento ocultava-se, só o amor se podia ver, amor desmedido que inflamava o teu coração” (Jacopone da Todi).
Sinto-me, casa vez, impotente e fascinado. A cruz não nos foi dada para a compreendermos, mas para nos agarrarmos a ela, para a ela nos elevarmos.
Porque é que Jesus morreu na cruz?
Porque a terra inteira retumba com um grito. Grito de dor e de nostalgia. É a profunda melancolia do paraíso perdido, do Deus perdido, do amor e da paz perdidos.
A terra com os seus espinhos e as suas sarças, com as suas prímulas [flores-de-primavera] e plantas sempre verdes, e igualmente com a sua ternura; mas só de vez em quando, e como às escondidas. E a sua crueldade, muitas vezes, muitíssimas vezes; e as suas lágrimas e os seus soluços. A terra é um imenso pranto.
E um dia Deus já não conseguiu suportar, Deus já não conseguiu demorar-se, e então veio, juntou-se aos seus filhos e pôs-se a emitir, juntamente com eles, o mesmo grito radicado na angústia, na esperança: encarnou e subiu à cruz (…)
Porque é que Jesus subiu à cruz?
Só para estar comigo (…). Só para que eu possa estar com Ele. Estar na cruz é o que Deus, no seu amor, deve ao homem que está na cruz. O amor conhece muitos deveres, mas o primeiro destes deveres é estar com o amado, próximo, unido, como uma mãe quando o filho está doente, que gostaria de (…) adoecer ela para curar o seu filho. Mas se uma mãe não consegue, a nossa verdadeira mãe, Jesus, pôde fazê-lo: entrou na morte para nos levar consigo, para a alegria e para a vida eterna (Juliana de Norwich).»
Ermes Ronchi e Maria Marcolini, A Esperança que Nasce da Palavra,
Comentários aos Evangelhos Dominicais – Ano C.
Lisboa, Paulinas, 2012, pp. 74-75.