«Livre-se de todos os ídolos»
9 Agosto 2018
“Reconhecer as próprias idolatrias é um início da graça e coloca no caminho do amor. De facto, o amor é incompatível com a idolatria: se algo se torna absoluto e intocável, então é mais importante do que um cônjuge, de um filho, ou de uma amizade. O apego a um objeto ou a uma ideia deixa-nos cegos para o amor. Levem isso no coração, os ídolos roubam-nos o amor. Os ídolos tornam-nos cegos ao amor. E para amar verdadeiramente, é preciso ser-se livre de todos os ídolos.”
Um ídolo é uma “visão” que tende a tornar-se uma obsessão, exige culto e rituais, e por fim, escraviza. Ao retomar a tradicional Audiência Geral das quartas-feiras, o Papa Francisco dedicou sua catequese à idolatria, explicando toda a sua dinâmica, e convidando-nos a tirar os ídolos da nossa vida e a atirá-los pela janela.
Idolatria, um tema atual
“Não terás outros deuses diante de mim.” A passagem do Livro do Êxodo foi o ponto de partida para a catequese de Francisco sobre a idolatria, um tema sobre o qual “se deve insistir”, pois “é de grande importância e atualidade”.
A ordem – explicou o Papa – proíbe fazer ídolos ou imagens de qualquer tipo de realidade. “Tudo, de fato, pode ser usado como um ídolo”, ressaltou. “Estamos a falar de uma tendência humana que não poupa crentes, nem ateus.”
Neste sentido, nós cristãos poderíamos nos perguntar então: “Quem é realmente o meu Deus? É o Amor Uno e Trino ou é minha imagem, meu sucesso pessoal, talvez dentro da Igreja?”, questiona Francisco, fazendo menção ao Catecismo, onde diz que “a idolatria não diz respeito somente aos falsos cultos do paganismo. Ela é uma tentação constante da fé. Consiste em divinizar o que não é Deus” (n. 2113).
Um “deus” no plano existencial, “é o que está no centro da própria vida e do qual depende o que se faz e se pensa”:
“Pode-se crescer em uma família nominalmente cristã, mas centrada, na realidade, em pontos de referência estranhos ao Evangelho. O ser humano não vive sem centrar-se em alguma coisa. Então eis que o mundo oferece o “supermercado” dos ídolos, que podem ser objetos, imagens, ideias, papéis.”
“Nós devemos rezar a Deus, ao nosso Pai”, disse então Francisco, ao chamar a atenção para a “oração que se faz aos ídolos”. Para tal, recordou que quando atravessava um parque deslocando-se de uma paróquia para a outra, viu mais de 50 mesas com duas pessoas sentadas uma diante da outra, jogando o Tarot: “Iam ali rezar ao ídolo. Ao invés de rezar a Deus que é providência do futuro, iam ali botar as cartas para ver o futuro. Esta é uma idolatria de nossos tempos.”
“Eu pergunto-vos. Quantos de vocês foram ler as cartas para ver o futuro? Quantos de vocês, por exemplo, foram ler as mãos para ver o futuro, ao invés de rezar ao Senhor. Esta é a diferença. O Senhor é vivo, os outros são ídolos, idolatrias que não servem.”
A dinâmica da idolatria
O Papa então passa a explicar como se desenvolve uma idolatria.
O ídolo – observa o Pontífice – é uma projeção de si mesmo em objetos ou projetos:
“Desta dinâmica se serve, por exemplo, a publicidade: eu não vejo o objeto em si, mas percebo o carro, o smartphone, aquele papel – ou outras coisas – como um meio para realizar-me e responder às minhas necessidades essenciais. E eu procuro por ele, falo dele, penso nele; a ideia de possuir esse objeto ou de realizar esse projeto, alcançando aquela posição, parece um caminho maravilhoso para a felicidade, uma torre para alcançar o céu, e tudo se torna funcional para esse objetivo”.
Não te prostrarás diante deles
Os ídolos exigem um culto, rituais, disse o Papa, ao explicar a segunda fase da idolatria. “Para eles nos prostramos e sacrificamos tudo. Nos tempos antigos, sacrifícios humanos eram feitos para os ídolos, mas também hoje”:
“Pela carreira – fale com um carreirista – sacrificam-se os filhos, negligenciando-os ou simplesmente não os gerando; a beleza exige sacrifícios humanos. Quantas horas diante do espelho, alguém, alguma mulher gasta para se maquiar. Esta também é uma idolatria. Mas não é mal maquiar-se. Mas normalmente, não para se tornar uma deusa. A beleza pede sacrifícios humanos. A fama exige a imolação de si mesmos, da própria inocência e da autenticidade. Os ídolos pedem sangue. O dinheiro rouba a vida e o prazer leva à solidão. As estruturas econômicas sacrificam vidas humanas por lucros maiores.”
E o Papa pensa emtantas pessoas sem trabalho, muitas vezes porque o empreendedor de uma empresa decidiu despedir as pessoas para ganhar mais dinheiro, “o ídolo do dinheiro”:
“Vive-se na hipocrisia, fazendo e dizendo o que os outros esperam, porque o deus da própria afirmação impõe isso. E vidas são arruinadas, famílias são destruídas e jovens são abandonados nas mãos de modelos destrutivos, apenas para aumentar o lucro. Também a droga é um ídolo. Quantos jovens arruínam a sua saúde, até mesmo a vida, adorando este ídolo da droga.”
Terceiro estágio: não os servirá
O terceiro estágio é o “mais trágico” – afirma o Santo Padre – pois “os ídolos escravizam. Eles prometem felicidade, mas não a dão; e nos encontramos vivendo para aquela coisa ou para aquela visão, presos num vórtice autodestrutivo, esperando por um resultado que não chega nunca”:
“Os ídolos prometem vida, mas na realidade eles a tiram. O Deus verdadeiro não tira vida, mas a dá. O Deus verdadeiro não oferece uma projeção do nosso sucesso, mas ensina a amar. O Deus verdadeiro não pede filhos, mas dá seu Filho por nós. Os ídolos projetam hipóteses futuras e fazem desprezar o presente; o Deus verdadeiro ensina a viver na realidade de cada dia, concreto, não com ilusões sobre o futuro. A concretude do Deus verdadeiro contra a liquidez dos ídolos.”
E o Santo Padre pergunta: “Eu convido vocês a pensar hoje: quantos ídolos eu tenho ou qual é o meu ídolo preferido? Pois reconhecer as próprias idolatrias é reconhecer a graça. De fato, o amor é incompatível com a idolatria: se algo se torna absoluto e intocável, então é mais importante do que um cônjuge, de um filho, ou de uma amizade. O apego a um objeto ou a uma ideia deixa-nos cegos para o amor.”
“Levem isso no coração – foi a sua exortação final – os ídolos roubam-nos o amor. Os ídolos tornam-nos cegos ao amor. E para amar verdadeiramente, é preciso ser livre de todos os ídolos. Qual é o meu ídolo? Tire-o e atire-o pela janela”.
Por Jackson Erpen em Vatican News (adaptado)