Escutar a cidade
4 Fevereiro 2015
O maior risco dum pregador é habituar-se à sua própria linguagem e pensar que todos os outros a usam e compreendem espontaneamente.
Se se quer adaptar à linguagem dos outros, para poder chegar até eles com a Palavra, deve-se escutar muito, é preciso partilhar a vida das pessoas e prestar-lhes benévola atenção.
(Papa Francisco, Evangelii Gaudium, 158)
A escuta tem de estar inscrita na dinâmica sinodal. Não pode ser de outro modo. Por ela a Igreja há de querer, desde logo, escutar a Deus, Ele que continua a falar nas circunstâncias da vida e de cada tempo. Por ela a Igreja há de educar-se na capacidade de fazer do diálogo um traço maior da vida das suas próprias comunidades. Mas, como Igreja, não podemos ficar por aqui. Não podemos, sobretudo quando o que nos move e anima (como ao sínodo que por estes tempos decorre na diocese de Lisboa) é o «sonho missionário de chegar a todos». Seria um evidente contrassenso querer chegar a «todos» sem abrir o espaço e dar o tempo para escutar e dialogar com esses «todos» a quem queremos chegar. Se também é por causa deles que se faz sínodo, então que se faça sínodo também com eles.
Não ignoro que um sínodo é, por definição, uma assembleia eclesial e que, portanto, propriamente nele tomam parte os que são cristãos e se reconhecem como católicos. Mas a este dado temos sempre de acrescentar um outro, não menos relevante: um sínodo é e tem de ser muito mais que um mero evento, muito mais que um happening eclesial. Ele é e tem de ser expressão de um modo sinodal de ser e viver em Igreja. Quer isto dizer, uma forma eclesial efetivamente vivida e pensada como caminho conjunto. Isto aproxima-nos de modo muito evidente dos outros irmãos com quem, em Igreja, fazemos um caminho conjunto de fé. Mas, como extensão deste modo sinodal de ser e de estar, aproximar-nos-á também dos outros com quem, em sociedade, fazemos um caminho humano conjunto.
Julgo ser a isto mesmo que, um elenco grande de instituições católicas, se predispuseram e a todos propõem: Escutar a cidade. Esta iniciativa pretende ser um «convite a que os católicos da diocese de Lisboa se deixem interrogar por pessoas que, vivendo no mesmo tecido social, mas não partilhando a condição de pertença eclesial, enunciem uma reflexão pertinente sobre aspetos decisivos da […] vida que marcam o território da diocese». Um esforço de louvar, para exercitar aquela «arte da escuta» que o Papa Francisco vê como a chave para um «verdadeiro encontro» (cf. EG 171). Um esforço para tornar efetivo esse programa evangélico de uma «Igreja em saída». A meu ver, assim se toca o que de mais importante está em causa neste nosso tempo eclesial e, por maioria de razão, neste sínodo de Lisboa: como dar relevância pública ao Evangelho?; como fazê-l’O acontecer na nossa cidade? Cultivando a «arte da escuta» havemos de encontrar essa outra arte, a «arte de dizer» o Evangelho, que tão empenhadamente buscamos. Só nesta dinâmica podemos ser o diálogo de Deus com a nossa cidade.
PS: O próximo encontro da iniciativa Escutar a cidade realiza-se no dia 12 de Fevereiro, às 19h, no Fórum Lisboa (antigo cinema Roma). Para mais informações (com vídeos do encontro anterior), consulte: https://escutaracidade.wordpress.com/