Feridos num crepúsculo

joaquim-francoCom que tom, sons e imagens preservaremos a memória? Que aprendizagem faremos dos cinco dias que precipitaram emoções e ergueram os silêncios do mundo? São dias de reflexão. De uma necessária reflexão multidisciplinar. Profunda, abrangente, transversal e não condicionada. O mundo fez a celebração planetária de uma dor lancinante. A liberdade ferida simbolicamente no coração. O novo ano nasceu para confundir o mundo. “O mundo que se move pela religião e o outro que não entende a religião” (OLR).  Que será do “génio meigo e profundo” na “querida” Europa cantada por Fausto, a mesma Europa que foi palco das maiores atrocidades com o combustível da religião, mas soube cruzar também a razão com a fé naquele que será um dos seus maiores legados para a humanidade?

1. A responsabilidade é um dever. Com tudo o que isso pressupõe. Sem anular, atua etica e moralmente, sobretudo na liberdade de expressão. Sim, todos seremos Charlie no reconhecimento do direito à liberdade de expressão, dentro dos princípios que nos fazem e das leis que nos regem. A cedência a ameaças de cutelo, venham de onde vierem, põe em causa a própria liberdade e, por conseguinte, o dever de responsabilidade. Não, não seremos Charlie se isso significar um pacto com a desresponsabilização ou uma visão sectária e parcial. Viveriamos então na desordem ou noutra submissão. Sim, todos têm direito a caricaturar, sem medo da blasfémia, e todos têm direito a criticar a sátira de gosto duvidoso, ofensiva. Não, ninguém tem o direito, e muito menos o dever, seja ele religioso ou outro, de matar porque se sentiu ofendido por uns rabiscos. Pode perceber-se o contexto de um crime, mas um crime não não se justifica. E o que aconteceu em Paris foi um crime hediondo.

2. Há 10 anos a polémica das caricaturas de Maomé revelava também manipulações orientadas por pequenos grupos para internacionalizar a ofensa ao “mundo” islâmico. O direito à liberdade de expressão, e até de ofensa, era manipulado. Por um lado, convém não menosprezar a reação da silenciosa maioria islâmica que, não se revendo nas reacções violentas e manipuladas, se sentiu igualmente ofendida com as ditas caricaturas, por outro, não esqueçamos a manipulação oportunista de certos nacionalismos xenófobos, cada vez mais ativos na Europa. “Respeitar o Islão não é respeitar a intolerância no Islão”, lembrava Miguel Gaspar, e é importante perceber a complexidade do Islão. Independentemente do contexto social e cultural, “o religioso”, entendia Eduardo Prado Coelho, “é demasiado importante para que as pessoas façam dele caricaturas”. Será?
A Europa secularizada parece tender a esquecer a essência que clarifica os contextos. Dizia ainda Prado Coelho que a cultura ocidental “é cada vez mais um universo onde tudo é possível e estamos à merçê da deriva sem limites”…

3. Já depois da 2.ª Guerra Mundial, o filósofo e pensador letão Isaiah Berlin – que Virginia Woolf disse assemelhar-se a um “swarthy portuguese jew” – reflectiu a liberdade em dois ângulos. Defendeu que a integridade da liberdade depende da aprendizagem com os erros da pretensa defesa da liberdade. Negativamente, a liberdade não tem barreiras. Positivamente, a liberdade implica condições e responsabilidade.
Na crise em espiral das caricaturas de Maomé, o então secretário geral da ONU, Kofi Annan, apelou ao “bom senso” e “responsabilidade” por não perceber como “depois de estalar a violência, os jornais continuaram a divulgar as caricaturas, contribuindo para inflamar”. O pluralismo e a justiça – condições essenciais para a liberdade de expressão – começam na consciência subjectiva do “bom senso” e terminam na objectiva “responsabilidade” individual. Se no denominado “mundo” islâmico há quem esteja culturalmente longe de assimilar esta reflexão, o denominado “mundo” ocidental passou ao lado, num deslumbramento cego e arriscado.

Nota: As redacções foram chamadas a fazer um minuto de silêncio. Se “Somos Todos Charlie”, fiz o minuto de silêncio pelos camaradas jornalistas do Charlie Hebdo, mas também por todas as vítimas que diariamente não noticiamos, que sucumbem às mãos de quem quer pela força aquilo que não consegue em liberdade, pela razão ou pela fé, vítimas da incapacidade, da nossa incapacidade de ver além do nosso cerco dormente, de um circo mediático e anestésico, vítimas também de um silêncio que acaba por ser cúmplice.

Sugestões de leitura: O Crepúsculo do Dever (D. Quixote), de Gilles Lipovetsky; Diálogos com Deus em Fundo (Gradiva) de António Marujo;

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